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The seed of the Sacred fig

  • Diego Nicolau
  • 9 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

FESTIVAL DO RIO - POR FERNANDO GOMES

(@_fgdalmeida)


The Seed of a Sacred Fig constará na lista do cinema iraniano como um evento extraordinário. O simples fato de que esse filme existe é bizarro. Um ataque visceral ao governo e regime teocrático iraniano, Mohammad Rasoulof fugiu do Irã para trazer esse filme ao mundo. Ser condenado e procurado em seu próprio país não o impediu de criar uma obra de arte que transcende o meio e incita mudanças.

É difícil descrever o quão colossal e diligente é esse filme. Um drama que acompanha uma família iraniana em Teerã, tendo que se acomodar a um novo estilo de vida, devido à promoção do pai para proeminente figura política nesse regime. Um investigador, prestes a ser juiz, que condena milhares de pessoas à morte diariamente sob ordens do regime. Regime este que faz de tudo para silenciar as manifestações e reivindicações de um povo cansado da teocracia.

"Os tempos mudaram, mas Deus não mudou".

E é sobre essa frase que o filme vai se construir, justapondo o progresso da civilização e da busca humana por igualdade em paralelo a um livro de regras imutável que ignora novos tempos. De um lado, a juventude que luta por mudanças, e de outro, a teocracia amparada por um estado autoritário.


Cada personagem da obra representa um conceito diferente. O pai é o estado. A mãe, a religião. A filha mais velha e suas amigas são a juventude inquieta.

A filha mais nova é a juventude revolucionária. E, por fim, a mais óbvia das personificações: a arma simboliza o poder.

O pai e a mãe têm uma relação aparentemente simbiótica e íntima, como nas cenas em que a mãe (religião) cuida da higiene do pai (estado), algo que simboliza o que foi comentado inúmeras vezes: a religião é uma ferramenta de manutenção do povo.

Isso se reforça porque o pai, apesar de deter o poder de infligir medo e punição em suas filhas (o povo), se apoia na religião para a manutenção do dia a dia. O personagem do pai parece manter essa relação até o momento em que suas vontades não se alinham mais com as da mãe, e aí vemos o estado dobrar a religião para seu benefício. Algo já feito diversas vezes na história, afinal, o que importa para o estado é preservar a si mesmo, e não seu povo (filhas).


A mãe serve como fonte educadora, doutrinando as filhas em como se portar, o que vestir, como cuidar de uma casa e os conceitos de moralidade desse estado. Essa figura tem um papel de dualidade, em primeira instância de inflexibilidade, já que não existe o questionamento das leis divinas. Mas, ao mesmo tempo, serve de conforto, como na cena em que socorre a amiga das filhas. Em outras instâncias, a religião se comove, mesmo dentro de suas leis imutáveis, porque é humana e não divina.

Fato retratado nas falhas cometidas pela mãe contra seu próprio código moral.

As filhas são a juventude: uma que começa a questionar todo o status quo e outra que quer ser exatamente como ela. Porém, essa segunda, mais distante da religião e da doutrina, tem mais dentro de si para efetivamente tomar as atitudes necessárias para mudança. Todas essas mulheres são constantemente oprimidas no filme, mas a quantidade de abuso e misoginia que cada uma aguenta vai ficando menor a cada geração, o que gera um conflito gigantesco para a família e, em paralelo, para o Irã.

O filme recebe o nome por causa de uma semente especial de figo que nasce ao estrangular outras árvores. Uma clara referência ao regime teocrático que acompanhamos aqui. Mas, se o fruto é o estado, o que estrangula é o poder de fogo, a arma de submissão de uma nação, e esse é o objeto que altera drasticamente o rumo do filme.


O pai recebe de seus superiores uma arma, supostamente para proteção, porém essa arma desaparece de dentro de sua própria casa, um evento que é passível de uma detenção de três a cinco anos. A partir daí, toda sua reputação e carreira — leia-se todo o maquinário de autopreservação criado — é colocada em xeque.

Afinal, se ele não tem os meios (armas) de controlar sua própria família (seu povo), ele é julgado inapto pelo restante dos juízes armados (países autoritários) que querem ver seu fim.



Essa busca pela arma torna o pai paranoico, assustado e desconfiado. Em breve, essa nova versão dele fica completamente diferente, passando por diferentes estágios, como negação, barganha, tristeza e medo. Ele já não consegue negociar sua existência, aqui representada como liberdade, com sua própria família, mesmo tentando uma aproximação mais dócil. Isso porque se entende que, a partir do momento em que se devolve o poder de tornar os outros submissos ao estado, ele o faz sem remorso. Exatamente o que acontece quando um de seus colegas de trabalho (outro regime) empresta uma arma para o pai - poderia argumentar sobre o financiamento militar do país, mas sou leigo demais para ir além disso.

Agora, com o poder de supostamente se defender de volta em mãos, a arma comicamente se vira contra sua família. Já capaz de amedrontar, silenciar, coagir e controlar as mulheres de sua família, o pai revela toda sua raiva e desdém por essas instituições, inclusive a teocracia que lhe concedeu o título de pai. Felizmente, essas mulheres são mais inteligentes que isso e sabem que abnegar seu próprio poder de lutar de volta não encerra o pesadelo, só o torna recorrente.


The Seed of a Sacred Fig reforça a ideia de que não existe revolução pacífica, e que aqueles que querem paz devem estar preparados para a guerra.

Também fala sobre a necessidade de que a religião se aproxime dos tempos modernos e dos perigos de submissão prolongada.

Texto incrível, direção magnética, atuações ótimas e de uma riqueza temática e alegórica única. Um filme que utiliza tudo que constrói durante suas quase três horas para arrancar suspiros, risadas e emoções do início ao fim. Definitivamente um dos melhores do ano. Fantástico.

 
 
 

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