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Kasa Branca

  • Diego Nicolau
  • 8 de out. de 2024
  • 3 min de leitura

FESTIVAL DO RIO - POR FERNANDO GOMES

( @_fgdalmeida)



Se é a cultura vigente virar uma câmera para as favelas na busca de retratar a violência, criminalidade e abusos de poder, "Kasa Branca" deve ser considerado um filme de contra-cultura cinematográfica. Isso porque a obra decide virar sua câmera para problemas mundanos e não estereotipados.

Sob comando de Luciano Vidigal e uma equipe completamente formada por moradores da favela, especificamente do Morro do Vidigal, Kasa Branca decide acompanhar André. Um jovem negro e obeso que tem a responsabilidade de cuidar de sua avó Almerinda que tem um grau avançado de alzheimer.

Com uma fotografia sensível e um roteiro sólido, o longa demonstra com competência o afeto entre o protagonista e sua avó. Mas, também elucida os impedimentos que os moradores de periferia vivem muitas vezes. A mais explícita questão aqui é: como André pode pagar pelos remédios e fraldas de Avó sem um emprego? E em contrapartida, como pode ele trabalhar se ninguém pode cuidar de sua avó?


A resposta vem na amizade entre André, Adrianin e Martins. E esse é o grande tema que permeia o filme: comunidade. Luciano Vidigal redige um roteiro que está menos preocupado com os problemas em si, do que com os pilares sociais que tornam esses problema suportáveis - acho que o filme faz um bom trabalho de enfatizar que nem todo problema tem, ou precisa de solução.

Existe um momento em específico que de cima de uma laje no Morro do Vidigal, vemos o Rio de Janeiro em sua plenitude — uma das cenas mais bonitas do ano pra mim. E essa perspectiva que raramente quem não vive no morro tem da favela, abraça a ideia do filme de que quem não vive ali só tem a perspectiva tradicional. Perspectiva essa que é enviesada e forçada nos jornais, filmes e séries, de que a favela é apenas o estereotipo de violência, crimes e drogas. O maior sucesso do filme é contar a história de tanta gente, que nunca teve sua história contada.

Outro grande elogio cabe na trilha sonora que mistura elementos do funk brasileiro com músicas de origem africana, mesclando assim a herança cultural da favela enquanto elogia a nova cultura sendo construído. Um paralelo da relação de André com sua herança, na forma de Dona Almerinda, e do outro da construção de uma nova herança com seus amigos.



As atuações são ótimas e o trio principal entrega uma naturalidade que só amigos de longa data tem.

Impulsionados por um roteiro emocionante, mas cômico e verdadeiro que só quem é e vive nessas comunidades saberia criar. O filme navega um espectro de temas completo, tesão, medo, alegria, perdão, arrependimento, dever, amor, sexualidade e cumplicidade, que nunca te deixa tirar os olhos da tela — ainda que por conta disso nunca vá muito a fundo em nenhum deles.

Existe, na minha opinião, uma decisão criativa que trabalha muito contra o filme. A cena em questão é construída, e até faz sentido, por boas circunstâncias, mas parece falhar ao desviar da ideia de fugir do estereótipo pra se apoiar nele mais uma vez. Talvez essa ideia se prenda em outra ideia que o filme expressa através da música de Talita,

"de toda opção que a vida tinha, eu fiquei sem opção".

'. E essa fatalidade pode ter sido o intuito,

mas me fez questionar a necessidade daquilo.

No fim, eu também senti uma falta de desenvolvimento de certos arcos e personagens, algo que me frustrou porque eu queria saber mais de cada um daqueles personagens. E o filme também acaba caindo no fantasioso demais para a resolução de alguns problemas, mas isso nunca interfere na mensagem final — talvez até ajude — de que a comunidade é capaz de muito mais que a unidade.



Kasa Branca é uma carta de amor às favelas, como poucas escritas. Mas, também de sua produção à conclusão é uma carta de amor à um cinema das favela, suplicando pra ser uma fonte de mais do que o reducionismo que fomos criados a esperar desses filmes.

Bonito e sensinvel, esse trabalho fantástico, cativante e corajoso, torna Kasa Branca em um dos melhores filmes brasileiros do ano.

 
 
 

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