Conclave
- Diego Nicolau
- 14 de out. de 2024
- 3 min de leitura
FESTIVAL DO RIO - POR FERNANDO GOMES
"Servimos um ideal, mas nem sempre somos homens ideais".
Há poucas coisas tão confidenciais quanto o que se passa por trás dos muros do Vaticano, portanto existem poucas ocasiões mais sigilosas do que o processo de eleição de um novo Papa. Cenário no qual Edward Berger cria um dos filmes mais intrigantes do ano, que por vezes parece que vai sucumbir ao próprio peso de suas ambições, mas se sustenta até o fim.
Conclave, como o nome sugere, é o nome dado ao grupo de cento e oito cardeais que será responsável pela eleição da próxima figura máxima da igreja católica. Essa prestigiosa posição e todo poder que a acompanha é o suficiente para revelar dentre os candidatos dessa eleição suas mais íntimas ambições e as falhas de caráter de homens que deveriam ser os mais virtuosos possíveis. Ao mesmo tempo esse evento revela a segregação que existe dentro da própria instituição da igreja e como conservadores e liberais batalham dentro da instituição.
Essa jornada vem de argumentos contra o retrocesso em pautas LGBT+, na opção de abandonar o Latim tornando a instituição dividida pela linguagem, o sexismo absurdo dentro da igreja e até mesmo em comentários sócio-políticos sobre a tolerância religiosa. Temas extremamente sensíveis abordados com maestria por um roteiro corajoso e inteligente.
No meio de todo esse furacão e disputas temos o Cardeal Lawrence, confiado pelo Papa para presidir esse Conclave. Lawrence é um Diácono que possui sua fé abalada, constantemente em dúvida sobre seu papel dentro da igreja e consequentemente do papel da igreja em si. Ele é um cínico em meio aos mais devotos e fervorosos membros da igreja e por esse motivo parece que lhe foi concedida a obrigação de supervisionar essa nova eleição.
O filme se passa como uma mistura de "12 Homens e Uma Sentença" e "Succession"
,aonde todos os
interessados na vaga são questionados, investigados e desafiados. A busca por essa vaga os torna homens que abandonam suas virtudes, morais e os valores que pregam. E isso levanta debates genuinamente interessantes sobre qual é a verdadeira servitude desses homens: a instituição ou Deus.
Conclave é um filme corajoso que coloca a dúvida como força central da religião. Citando a própria dúvida de Jesus em Mateus com "Deus meu, Deus meus, porque me descamparaste?" e usando um monólogo poderoso sobre como a certeza é inimiga da fé, pois se há certeza, não há mistério. E se não há mistério, não há necessidade para fé.
Esses são todos temas incômodos e o filme inteiro tem esse tom de desafio ao secularismo e a liturgia.
Mas, principalmente, sobre qual verdadeiramente é o papel dessa instituição em tempos modernos e o embate entre manter a tradição, mas se tornar arcaica e segregacionista, contra se modernizar abandonando o texto original pela manutenção da mensagem, é genial.
Ralph Fiennes é extraordinário no papel, sendo um dos poucos atores que conseguiria injetar tanto humor no personagem sem perder a seriedade. O elenco inteiro é fantástico por sinal, apesar de que alguns personagens quase chegam no limiar cartunesco e estereotipado, o roteiro nunca permite que eles cheguem lá. Edward
Berger conduz com maestria um filme intrigante, corajoso e que vai dividir e incomodar muito pelo seu final. A fotografia e figurino também é impressionante e tudo isso trabalha para criar um dos filmes do ano.
Conclave pega um conceito fundamental para a fé que é a incerteza, e reflete para dentro da igreja essas incertezas, revelando coisas não tão belas no meio do caminho. O filme entende que o divino pode ser perfeito, porém os interlocutores do divino são falhos e ele explora cada milímetro e cada segundo dessa ideia, para questionar se esses homens servem a si, a instituição ou a Deus. E de forma mais agressiva, se a instituição religiosa se vê acima da própria religião.





Comentários