Rabbit Trap — Seleção de Sundance Midnight
- Fernando Gomes
- 26 de jan.
- 2 min de leitura
Uma viagem alucinógena e folclórica, que é pessoal demais para recair no tradicional “terror sobre traumas” que assola o gênero, mas um filme que sucumbe diante de suas próprias ambições.
Estrelado por Dev Patel, Rosy McEwan e Jade Croot — que é o grande destaque do filme —, “Rabbit Trap” é o tipo de projeto que torna ir ao cinema interessante. Inventivo e peculiar, o filme de estreia de Bryn Chainey merece reconhecimento pelos riscos criativos que corre, principalmente no aspecto surreal, mas parece tão desesperado em contar algo de forma original que esquece de se aprofundar no mundo que construiu.
No longa, acompanhamos um casal de músicos que decide passar um tempo vivendo em um lugar quase inabitado para coletar sons da natureza para seu próximo álbum. Darcy e Daphne são um casal que vivem de escutar o mundo, mas possuem uma barreira insuperável: a inabilidade de se comunicarem e ouvirem um ao outro.
“Você entra no mundo através dos olhos, mas é através dos ouvidos que o mundo entra em você”, declara Daphne, uma frase que retrata o relacionamento reticente e quase silencioso de um casal que não se permite adentrar no mundo um do outro. Tudo muda quando os sons que eles buscam parecem menos estar sendo gravados e mais enviados na direção deles. A personificação dos sons da natureza, que já não podem ser ignorados, vem através de uma criança sem nome que rompe a barreira entre os dois, tornando-se o som que eles não querem ouvir, mas são incapazes de silenciar.
O longa, que beira o ASMR de terror em suas primeiras partes, não tem espaço para se apoiar na tensão e nos sustos tradicionais do gênero, porém constrói gradativamente cenários dos quais queremos escapar. Isso não exime o filme de recair em algumas construções clássicas, como um cemitério misterioso, uma árvore que nasce nas pedras como anomalia, figuras grotescas e sombras que criam uma tensão que nunca se concretiza.
Nem todo o esforço do elenco, que está fantástico, nem a fotografia excepcional, e muito menos o design de som impecável são capazes de resgatar o filme dos problemas de ritmo e da recusa em engajar consigo mesmo. O longa serve como uma grande alegoria sobre como os traumas são ignoráveis até que não possam mais ser, algo que se revela em diálogos breves, como “sons são apenas fantasmas” e “o que acontece quando um som morre?”
No terceiro ato, o filme se joga completamente em um sonho de LSD, mas faz pouco para explicar que tudo girava em torno da vontade da família de ter uma criança. Algo dito quase em tom de premonição — “para pegar um coelho, ou qualquer animal, você tem que saber o que ele deseja” — retorna para encerrar o filme. Reiterando a ideia de que traumas e memórias podem ter nome e fazem um barulho por vezes inaudível até que seja. E, para ser justo, a conclusão é coerente, mas tanto do filme se perde em um mar de simbolismos e alegorias que se amontoam em um grande nada, tornando difícil manter o engajamento na jornada.





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