The Ballad of Wallis Island - Sundance
- Fernando Gomes
- 19 de fev.
- 3 min de leitura

Se existe uma palavra que define The Ballad of Wallis Island, é harmonia. Poucos filmes, na minha memória, conseguiram equilibrar amor, paixão, luto, humor e amizade de forma tão inconsútil quanto o roteiro de Tim Key e Tom Basden. A sensação de ter assistido a uma história profundamente humana, mas ao mesmo tempo extraordinária, parecia um reflexo do que é a vida — e eu ainda não consegui esquecer essa sensação.
No filme, acompanhamos Herb McGwyer (Tom Basden), metade de uma dupla musical de sucesso colossal, que agora segue carreira solo, indo fazer um show particular na Ilha Wallis. Em seguida, somos apresentados ao contratante, Charles (Tim Key), um homem altivo, extremamente prestativo e um dos poucos habitantes da ilha. Charles também é um dos maiores fãs que a dupla já teve, e logo se revela que o show é exclusivamente para ele.
Pouco depois, conhecemos a outra metade da banda, Nell Mortimer (Carey Mulligan), que chega de surpresa para Herb, já que ambos não se falavam havia anos. É impossível assistir ao filme sem pensar em Fleetwood Mac, afinal, essa fissura entre os ex-amantes e o inevitável ressentimento misturado com amor em tela é palpável. Apesar da premissa aparentemente genérica, The Ballad of Wallis Island se destaca pela profundidade com que explora seus personagens, suas relações e as decisões inesperadas que tomam.
A relação entre Herb — que ficou com o sucesso, os acordos e a crença de que era o verdadeiro motivo do êxito — e Nell — que sumiu dos holofotes, encontrou um novo amor e se desconectou da arte, agora tendo a oportunidade de garantir sua estabilidade financeira — nunca é amarga, mas sim agridoce. E, aos poucos, o filme revela sua verdadeira mensagem: algumas coisas não conseguimos recuperar. A princípio, parece ser sobre o amor, a fagulha e a química entre eles, mas logo fica claro que vai além disso.
Esse é um filme sobre pessoas presas em momentos de suas vidas que já não existem mais. É difícil comentar sobre o arco de Charles sem comprometer o coração da história, mas todos os personagens vivem versões de si mesmos idealizadas por outras pessoas. Muito como a própria ilha, cada um está isolado, desatualizado e encontra na arte uma conexão consigo e com o mundo externo.
The Ballad of Wallis Island levanta tantas reflexões que é difícil discorrer sobre todas, mas as mais proeminentes giram em torno da significação da arte e da impossibilidade de replicar certas experiências. Isso tudo é feito com alguns clichês, mas sempre que você acha que pode prever o filme, ele te surpreende. Há decisões frustrantes e encerramentos abruptos, que emulam bem os ciclos e eventos da vida. E essa conexão emocional é o que me deixou impressionado — o filme consegue capturar todo o espectro de emoções da experiência humana, de forma intensa, mas nunca caricata. Ele deixa o espectador à flor da pele, porque a construção de seus momentos e personagens ressoa profundamente.
A direção é excelente, especialmente na forma como captura o isolamento dos personagens em espaços fechados, contrastando com a união em planos abertos. A sensação de que cada um está em sua própria jornada, mas inevitavelmente dividindo o espaço dela com outras pessoas, é palpável.
Mas, acima de tudo, o grande destaque e alicerce do filme é Charles. Tim Key entrega uma atuação extraordinária, trazendo equilíbrio a um personagem que poderia facilmente cair no território de Michael Scott. Mas não — Charles é amável, alternando vulnerabilidade e um impecável timing cômico. Ele também serve como termômetro do filme: nos raros momentos de silêncio, um homem que não sabe ficar quieto nos força a sentar e observar junto com ele. E nesses intervalos, The Ballad of Wallis Island grita sua verdade: não é possível voltar no tempo, nem capturar novamente um momento, um toque, um olhar ou um amor — mas é possível criar momentos, toques, olhares e amores novos.
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