Omaha - Seleção de Sundance Competição Dramática EUA
- Fernando Gomes
- 10 de fev.
- 3 min de leitura

Omaha conta a história de um pai solteiro (John Magaro) que cruza grande parte dos Estados Unidos com seus dois filhos pequenos, Ella (Molly Belle Wright) e Charlie (Wyat Sollis). A viagem não é a lazer — na verdade, começa com os três sendo despejados e levando apenas seus pertences mais valiosos e seu cachorro com destino ao Nebraska.
Pouco se sabe sobre as circunstâncias que levaram a situação a ficar tão crítica, mas o que se sabe é que o pai — que não possui um nome — ficou viúvo recentemente e vem tentando criar seus filhos enquanto administra seu luto e sua saúde mental. Ella e Charlie são crianças típicas, que não compreendem completamente a gravidade do que está acontecendo e, como toda criança, imaginam apenas estar saindo de férias.
O roteiro, a narrativa e a fotografia têm Ella, uma extraordinária Molly Belle Wright, como nosso ponto de referência. Isso é conquistado com perspectivas mais baixas, enquadramentos que isolam o pai e um roteiro que nunca revela de forma explícita o que está acontecendo, mas nos guia junto com Molly rumo à descoberta.
Omaha é um drama contrabalanceado por uma leveza ímpar, refletindo o tumulto interno do pai — alguém obrigado a fazer uma jornada árdua e repleta de motivações complexas, mas que busca momentos de carinho e alegria no meio da turbulência. Seja em uma parada para tomar sorvete, em um passeio ao zoológico, soltando pipa ou em um banho de piscina em família, a felicidade permeia nosso trio principal.
No entanto, o filme se torna progressivamente mais difícil de assistir. Se no início a pergunta é: “O que você levaria se sua casa estivesse pegando fogo?”, logo ela se transforma em: “E se sua vida estivesse pegando fogo, o que ou quem você salvaria?”. Mas é quando a reflexão chega a: “E se o incêndio fosse você mesmo, como salvaria aqueles que ama?” que Omaha se torna verdadeiramente impactante.
À medida que a distância até o destino encurta, as decisões do pai tornam-se cada vez mais difíceis e egoístas, sempre em nome do bem-estar das crianças. É difícil entrar em detalhes sem revelar spoilers, mas basta dizer que Omaha conduz a audiência a um choro intenso e contínuo.

A genialidade do filme reside na construção de seus personagens, tão ricos e complexos que nem mesmo as escolhas impossíveis que são feitas parecem incompreensíveis — inclusive a decisão final, que ganha um novo significado quando contextualizada. Há um equilíbrio delicado entre as dificuldades da vida adulta que apenas o pai enxerga, o amadurecimento brutal e forçado que a filha é obrigada a ter e o filtro de inocência e alegria do irmão mais novo.
A principal reflexão do filme é: até que ponto o egoísmo pode ser um ato de amor? O quanto estaríamos dispostos a ferir aqueles que amamos para protegê-los? E essa dor seria justificável, ou seria melhor vê-los sofrer? Omaha pega esse conceito de egoísmo e o distorce até que ele se assemelhe a altruísmo. É ao turvar as linhas entre bondade e crueldade, amor e dor, que o filme brilha, apresentando um homem forçado a tomar decisões impossíveis, que nunca são perfeitas e têm consequências irreparáveis, mas que não podem ser ignoradas.
O roteiro é excelente e encapsula perfeitamente as dinâmicas de uma viagem em família, um efeito conquistado não só pelo texto, mas também pela liberdade dada às crianças para improvisarem suas falas. A fotografia é extremamente intencional no uso de closes, planos médios e abertos, estabelecendo com clareza como Ella percebe o mundo e os relacionamentos entre os três.
Esse é um filme que jamais funcionaria sem as atuações extraordinárias de John Magaro e Molly Belle Wright. Magaro domina a tela, entregando uma vulnerabilidade absurda por trás de sua camada de melancolia e dever, comunicando com os olhos uma gama impressionante de emoções. No entanto, é Molly Belle Wright quem eleva Omaha a algo verdadeiramente especial, transitando entre a inocência e a maturidade com uma credibilidade notável. Seu alcance emocional impressiona e faz dela a peça central na conexão entre as três gerações do filme.
Inevitavelmente cruel e devastador, Omaha é um dos filmes mais emocionantes da memória recente. Uma obra que marca o espectador e exige empatia, pedindo que enxerguemos um pedido de ajuda silencioso sem nunca justificar ou implorar pelo perdão de seus personagens. Tudo se torna mais fácil de aceitar quando vemos pessoas profundamente falhas e humanas, fazendo o melhor que podem com o nada que têm. E a pergunta permanece: é possível salvar algo quando o incêndio é você?





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