top of page

It’s Never Over, Jeff Buckley — Seleção Sundance Documentários EUA

  • Fernando Gomes
  • 31 de jan.
  • 3 min de leitura

ree

O artista favorito do seu artista favorito, possivelmente, foi Jeff Buckley. Dono de apenas um álbum, o impacto de sua trajetória e composições foi imensurável. De bandas como Radiohead se sentindo compelidas a gravar Fake Plastic Trees imediatamente após sua performance, à sua amizade com Chris Cornell, ou até mesmo sendo louvado por Paul McCartney como o melhor cantor/compositor de sua geração, talvez isso ajude a contextualizar a magnitude desse artista. Mas como criar um documentário sobre alguém que parecia inacessível em qualquer instância? Esse é o desafio de Amy J. Berg.


Jeff Buckley é, como quase todos os artistas, uma figura atormentada e incompreendida. Alguém que parecia viver em sua própria realidade e raramente permitia a aproximação de outros nesse mundo particular. Porém, nos breves momentos de vulnerabilidade e transparência, sua presença e permissividade eram tão efêmeras que nem aqueles que mais o amavam — e que ele mais amava — conseguem definir ou compreender quem ele realmente era.


“Amor, raiva, depressão, alegria… e Led Zeppelin”.


Essas são as autodenominadas maiores inspirações de Jeff Buckley e, de certa forma, conceitos tão abstratos quanto qualquer outra descrição dele que vemos aqui. Filho de um músico de sucesso moderado, Jeff foi criado sozinho por sua mãe. Isso, no entanto, nunca apagou a tormenta que ele carregaria sobre viver à sombra do pai, mesmo tendo obtido um sucesso muito maior que ele. O peso de não ser como seu próprio pai — indisponível, usuário de drogas e emocionalmente relapso — foi uma batalha tão intensa que se tornou um hiperfoco e, de certa maneira, o próprio destino de Jeff.


Contado pela visão das três mulheres mais importantes de sua vida — duas ex-namoradas e sua mãe —, o documentário usa cada perspectiva como uma subdivisão da vida do artista em três partes. Do começo humilde, passando pelo sucesso explosivo até a reclusão final, cada uma dessas mulheres tenta arduamente definir quem era Jeff. A dificuldade da tarefa vem do próprio objeto estudado: Buckley era uma pessoa altamente impulsiva, caótica e imprevisível. Um espírito livre em todos os sentidos da palavra. Acompanhar suas emoções, interações e entrevistas era algo magnético, mas sempre sucedido por atos randômicos.


De uma sensibilidade ímpar e empatia absurda, Jeff Buckley era alguém em profundo contato com tudo e todos ao seu redor. Um feminista assíduo, amigo preocupado e filho amoroso, suas relações, por mais líquidas que parecessem, possuíam uma intensidade anormal. A sensação de sobrecarga sensorial e emocional que ele transmitia era bizarra, mas o mais impressionante era sua curiosidade desumana pelas artes.


No documentário, o vemos se aventurar em poesia, desenhos, sketches de comédia, covers e, obviamente, sua própria música. Mas o que chama atenção são as fontes de inspiração que compunham quem ele queria ser como artista. Fanático por Led Zeppelin, ele nunca deixava de citar artistas indianos, Nina Simone, os Misfits ou uma miríade de influências que não só admirava, como também tinha uma capacidade ímpar de emular.


Uma amálgama de acervo pessoal, entrevistas, shows e animações conta a história de um homem que parecia estar tão ocupado absorvendo tudo o que havia para viver que se esquecia das pessoas com quem viver. Atormentado por suas próprias inseguranças e medos, Jeff Buckley foi um artista que reconhecia genialidade e grandiosidade em tudo, menos em si mesmo. Sufocado pela pressão de superar seu magnum opus, Grace — considerado um dos melhores álbuns de todos os tempos —, ele constantemente se questionava sobre sua competência, seus talentos e a validade de suas próprias emoções.


Jeff Buckley fugiu a vida inteira de definições e, como visto no documentário, ele teve sucesso. Todos que estiveram em contato com ele têm a capacidade de trazer memórias e sentimentos à vida, de definir com nitidez momentos com Jeff, mas têm dificuldade em expressar, em palavras, suas características. Aptos mais a evocar o que sentiam com Jeff do que a descrevê-lo, suas relações parecem ser um grande reflexo de sua própria vida. A vida de alguém entretido mais pelas experiências e emoções do que pelas pessoas, mais pelo abstrato do que pelo tangível. Jeff Buckley permaneceu e permanece uma incógnita, uma figura quase paradoxal que queria extrair o máximo de tudo o que a vida tinha a oferecer no menor tempo possível. E essa pressa, essa recusa em processar a totalidade da vida com calma, reflete sua carreira: curta e intensa.


Um presente para os fãs e definitivamente uma introdução fantástica para os desconhecidos, It’s Never Over, Jeff Buckley é um ótimo documentário. Mesmo que siga o padrão de talking heads, ele interpola decisões criativas e animações que mantêm o filme interessante. Quando os créditos rolam, é inevitável pensar no impacto que ele teve no mundo e nas pessoas ao seu redor, ainda que seja igualmente inevitável perceber que você continua sem verdadeiramente saber quem ele era ou como enxergava a vida.

 
 
 

Comentários


Perifa Film

©2023 por PerifaFilm.

bottom of page